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A importância das Paradas do Orgulho LGBT


Dimitri Sales*

Quando lésbicas, gays, bissexuais, travestis, mulheres transexuais, homens trans e heterossexuais saem de suas casas sem fantasias para unirem-se em um encontro anual, algo de extraordinário acontece. Não há máscaras, tampouco esconderijos. De cada canto da grande cidade, cujas noites guardam os riscos da violência e intolerância, partem diferentes pessoas, múltiplas expressões de gênero, infinitos desejos, almejando a visibilidade e a promoção de direitos.


A primeira grande conquista das Paradas do Orgulho LGBT foi tornar visível uma população que constitui sua identidade a partir das diferenças sexuais e de gênero. Ainda hoje, por força de estigmas e preconceitos, é necessário nos apresentar como sujeitos de direitos que, de forma autônoma (como a qualquer outra pessoa é assegurada), constroem suas vidas, elaboram seus desejos, lutam pela diária sobrevivência, padecem de sofrimentos, alimentam-se de esperanças e, especialmente, amam de diferentes formas ou arquitetam diferentes corpos. A população LGBT desafia as regras morais, religiosas e jurídicas ao vivenciarem distintas orientações sexuais e múltiplas identidades de gênero, subvertendo legitimamente padrões de comportamento e normas de ordenação da sociedade. Por esta razão, são, ainda, vítimas das mais diferentes formas de violência.


A violência contra a população LGBT se expressa de diversas maneiras, sendo todas elas mecanismos de controle da ordem social e forma de anulação das diferentes expressões sexuais e de gênero. A forma inicial da manifestação das intolerâncias é a injúria, que, por meio de palavras, ofende, humilha e impede a liberdade e a autonomia destas pessoas. Ao fim, tem-se na extinção da vida de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, mulheres transexuais e homens trans a forma mais cruel de controle e punição. Tais atos são decorrentes de intenso ódio e resultam na absoluta negação da dignidade humana, elemento essencial para a vida de todas as pessoas.


As Paradas do Orgulho LGBT desfilam dignidade, autonomia dos desejos, liberdade do corpo. Chama a sociedade para um novo diálogo em torno das diferenças sexuais e de gênero. São eficazes mecanismos de promoção do orgulho de ser quem se é, redimensionando concepções que impõem uma forma padronizada de convivência em sociedade. Mais ainda, apontam que é possível a constituição de uma comunidade civilizada a partir do reconhecimento das diferenças humanas como elemento que agrega indivíduos e expande conceitos e regras, além de efetivamente emancipar pessoas: o que é diferente, soma; o que é igual, não é necessário.


A cada ano, as Paradas apresentam um tema como objeto central das reivindicações da população LGBT. Em comum, a luta contra as opressões ainda reinantes que tornam lésbicas, gays, bissexuais, travestis, mulheres transexuais, homens trans vítimas das mais diversas formas de ódio. No Brasil, ainda não temos leis que criminalizam a homofobia e a transfobia. Também, não há proteção jurídica para as diferentes identidades de gênero. Ainda que os dados revelem o aumento da violência, o Estado brasileiro segue absolutamente indiferente à realidade de centenas de assassinatos e milhares de casos de agressões em todos os espaços da sociedade, perpetrados todos os anos.


Quando um país criminaliza uma conduta homofóbica ou transfóbica, está dizendo para sua gente que a vida de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e pessoas transexuais são bens jurídicos que devem ser preservados, protegidos e promovidos. Ao se negar a criminalização destas condutas, o Brasil assume que estas vidas não são, efetivamente, importantes, ao tempo que sua omissão resulta em nítido estímulo para a violência. Neste sentido, as Paradas do Orgulho LGBT assumem maior grande protagonismo na luta pelos direitos da diversidade sexual e de gênero.

A partir da visibilidade que as Paradas promove, caberá a renovação do diálogo com a sociedade brasileira, assegurando a defesa e promoção dos direitos LGBT. Neste sentido, a primeira tarefa está em estabelecer responsáveis canais de negociação dentro da própria sociedade civil organizada em torno de reivindicações políticas comuns e, também, a partir de solidárias pautas pertencentes a cada segmento.


É indispensável um diálogo com o setor empresarial, a fim de abrir o mercado de trabalho formal para a inclusão de lésbicas, gays, bissexuais e, em especial, travestis e transexuais, além de assegurar a implementação de políticas internas de pleno respeito às pessoas LGBT. Deve-se, ainda, assegurar a adoção de decisões e ações centradas na responsabilidade social de promoção das diferenças sexuais e de gênero.


Há urgência para que se reestabeleça um diálogo propositivo e autônomo com os governos municipais, estaduais e federal, para orientar e assegurar a realização de políticas públicas estruturantes, eficazes no enfrentamento às discriminações e na promoção dos direitos LGBT. De igual modo, é indispensável o convencimento em torno da aprovação de instrumentos jurídicos que protejam a população LGBT, ao tempo que punam atos de violência motivados pela intolerância às diferenças sexuais e de gênero.


As Paradas do Orgulho LGBT no Brasil já atravessam mais de duas décadas de história. Nestes anos, avançamos muito na defesa dos direitos LGBT, mas ainda não conseguimos tornar a vida de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, mulheres transexuais e homens trans um bem da sociedade brasileira, enxergando-os como efetivos sujeitos de direitos. Há ainda muito que se fazer para compreendermos a importância das diferenças para a composição do tecido social, que deve ser complexo e dinâmico, como é a sociedade, como são as nossas vidas.


Abram passagem, a Parada segue compartilhando lutas, desejos, dignidade, orgulho!

* Dimitri Sales é presidente do Instituto Latino Americano de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos.


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